Obras de projetos imobiliários lançados nos últimos dois anos evitam que cenário seja ainda mais desafiador para indústrias de materiais
Revendas seguem como o principal canal de vendas, mas reduziram suas encomendas neste ano marcado por inflação e endividamento das famílias elevados, além de incertezas em relação às eleições majoritárias
Por Redação Em:
-
Save
Por Chiara Quintão
A indústria de materiais de construção tem se apoiado na venda de produtos para os empreendimentos imobiliários lançados nos últimos dois anos para buscar estabilidade ou pequena alta dos volumes comercializados em 2022. As revendas se mantêm como o principal canal de escoamento dos produtos, mas reduziram suas encomendas neste ano marcado por inflação e endividamento das famílias elevados, incertezas em relação às eleições majoritárias e retomada da disputa de materiais com o entretenimento pelo bolso dos consumidores.
A Vedacit cresceu 1%, no primeiro semestre, metade do que projetava antes de a Rússia ter invadido a Ucrânia. A desaceleração do consumo ocorreu nas compras de materiais nas revendas para reformas. Para a segunda metade do ano, a fabricante de impermeabilizantes, mantas asfálticas, protetores de superfícies, selantes e aditivos para concreto projeta que as
vendas ficarão estáveis, ante as do segundo semestre de 2021.
De janeiro a junho, o volume comercializado de tintas decorativas da Basf ficou praticamente igual ao do mesmo período do ano passado. A demanda de produtos para edifícios lançados dois anos atrás contribuiu para que não houvesse queda do volume comercializado, de acordo com o vice-presidente de tintas decorativas da Basf na América do Sul, Marcos Allemann. Entre 10% e 12% das vendas se destinam às construtoras.
No consolidado, o faturamento real dos fabricantes de materiais caiu 8,5%, de janeiro a junho, conforme a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). A entidade não segmenta o desempenho por canais de vendas, mas o presidente, Rodrigo Navarro, estima que o volume escoado para o varejo tenha apresentado queda e que as encomendas das construtoras possam ter aumentado.
Devido à base forte de comparação da primeira metade do ano passado, Navarro já esperava queda da comercialização nos seis primeiros meses de 2022. Apesar da forte retração registrada no período, o presidente da Abramat ainda avalia ser possível que o faturamento deflacionado do setor cresça 1% no acumulado do ano. “Continuo com otimismo moderado”, diz Navarro. Mas o representante setorial ressalta que é preciso haver melhora nas condições macroeconômicas do país para que a demanda de materiais pelo varejo volte a se manter aquecida.
Menos otimista, o presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), Paulo Camillo Penna, já espera redução de 1% a 2% das vendas do insumo em 2022, ante a projeção anterior, que ia de estabilidade até aumento de 1%. No primeiro semestre, houve queda de 2,7%, para 30,8 milhões de toneladas. O volume poderia ter caído ainda mais se não fossem as encomendas das construtoras para as obras imobiliárias em curso.
Penna pondera que o ritmo de lançamentos de imóveis está menor e que as mudanças anunciadas, recentemente, para o Casa Verde e Amarela pelo governo não são suficientes para o programa avançar como deveria. “Normalmente, o desempenho do segundo semestre é melhor do que o do primeiro, mas teremos complicadores como as eleições e a Copa do Mundo”, acrescenta o presidente do SNIC.
Pressão de custos
Na ponta da produção, a indústria cimenteira tem sido muito impactada pelas altas de custos de refratários, sacaria, gesso e frete rodoviário. “A redução do coque foi, praticamente, neutralizada pela apreciação do dólar. Cerca de 90% do coque é importado do Golfo do México”, afirma Penna.
No primeiro semestre, o barril do petróleo teve forte alta decorrente da guerra no Leste da Europa, elevando os desembolsos da Vedacit com o asfalto comprado da Petrobras, e os da Basf com resinas. Os gastos com frete também cresceram. Os “lockdowns” na China contribuíram para prejudicar o abastecimento de insumos, assim como problemas climáticos em regiões de fabricação de resina. A Vedacit repassou as altas de custos para os preços, o que resultou em aumento de 30% da receita, conseguindo recuperar suas margens históricas, após perdas de rentabilidade em 2020 e 2021. Já a Basf continua com as margens pressionadas, apesar de ter reajustado preços.
Antes do início do conflito no território da antiga União Soviética, se esperava arrefecimento das pressões de custos das commodities na primeira metade do ano. Com os temores de recessão nos Estados Unidos e de desaceleração global, começa a haver nova expectativa de estabilidade e, até mesmo, de queda de custos dos insumos.
Na avaliação de Allemann, porém, embora haja indícios de acomodação de valores do petróleo e de embalagens metálicas, o consumidor brasileiro só deverá sentir impactos nos preços de materiais no início de 2023. “São necessários três meses para as matérias-primas chegarem ao Brasil, e outros três para que sejam transformadas em produto”, diz o executivo.
Quando 2022 começou, após dois anos de expansão de dois dígitos, a Basf tinha expectativa de crescimento de 2% a 3% do volume de tintas decorativas, puxado pelo desempenho até junho. Diante de um primeiro trimestre mais desafiador do que o esperado, a Basf revisou sua projeção para aumento na faixa de 1,5% a 2%, no ano, e passou a apostar em mais demanda nas revendas, nos próximos meses, como consequência das reformas que costumam ocorrer em períodos de Copa do Mundo e do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
A Vedacit estima comercializar, em 2022, volume praticamente igual ao do ano passado, com leve variação de até 0,6%, segundo o presidente, Marcos Bicudo, enquanto o incremento estimado para a receita é de 23%. “Quem empatar os volumes vendidos, no segundo semestre, já terá um resultado expressivo”, diz Bicudo. Do total escoado pela empresa, 75% se direciona à revenda e 25%, às construtoras.
Investimentos em expansão
No último trimestre do ano passado, a Vedacit anunciou investimentos de R$ 178 milhões para transferir, gradualmente, sua produção da capital paulista para Itatiba (SP), até 2024, e ampliar sua capacidade instalada em 2,4 vezes. Mas, segundo Bicudo, o cronograma foi antecipado do segundo trimestre de 2024 para o fim do próximo ano. “Já iniciamos a construção da nova planta. A empresa está se preparando, o mais rapidamente possível, para um ciclo sustentável da construção”, diz o presidente.
A Basf mantém sua programação de investimentos em capacidade instalada, produtividade e distribuição para começar 2023 com o potencial de oferecer ao mercado volumes 10% maiores do que os do início deste ano.
No segmento cimenteiro, a ociosidade está em 32%, segundo levantamento do SNIC. “Não se espera novos investimentos, a não ser em caso de oportunidade em alguma região. Há muita coisa para se ajustar ainda”, diz Penna.