Mulheres no mercado imobiliário: desafios e avanços

Conheça as principais barreiras que as mulheres ainda enfrentam no setor imobiliário, como diferenças de oportunidades em relação aos homens, e quais são as mudanças em curso, como a participação crescente no mercado

Por Redação Em:

O Dia da Mulher - a luta por direitos no mundo e no Brasil

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A presença feminina no setor imobiliário cresceu bastante, mas ainda há muitas barreiras a serem transpostas

A celebração do Dia da Mulher como referência à luta feminina para equiparar os direitos das mulheres com os dos homens começou em 1911, em alguns países. A homenagem à causa feminina resultou de movimento iniciado em 1908, com a marcha de 15 mil mulheres, em Nova York, para pedir jornadas de trabalho menores, salários maiores e direito ao voto. Mas, por alguns anos, não existiu uma data comum nas diversas nações.

A escolha de 8 de março para a celebração anual ocorreu depois que, naquele dia, em 1917, 90 mil operárias russas caminharam por São Petersburgo em prol de melhores condições de trabalho e contra as posturas do czar Nicolau II. Em 1975, em homenagem a essas mulheres, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a data como o Dia Internacional da Mulher.

No Brasil, há registro de inúmeras mulheres que se destacaram ao longo da história do país. Ainda assim, muitas delas são mais lembradas pela referência de quem são filhas ou esposas do que pelos próprios méritos, como conta Paulo Rezzutti, no livro “As Mulheres do Brasil”.

No processo de independência do país, por exemplo, dona Leopoldina teve participação muito mais ativa do que Dom Pedro I, com quem foi casada. Mas o nome citado nos livros de história é dele. Dona Leopoldina costuma ser lembrada por ter sido traída pelo marido com Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, e não pela sua atuação junto ao conselho de estado para construir as bases para que o Brasil se emancipasse de Portugal.

Assim como na política, as mulheres sempre tiveram menos espaço do que os homens na literatura, nas artes plásticas, na música e nos diversos setores da economia. E o mercado imobiliário não fugiu (e ainda não foge) à regra. Para se ter ideia da disparidade, embora a corretagem de imóveis tenha começado no Brasil Colônia (1530-1822), as mulheres só tiveram permissão para exercer essa profissão em março de 1958. 

Sessenta e cinco anos depois, a presença feminina no setor imobiliário cresceu bastante, mas ainda há muitas barreiras a serem transpostas. Continue a leitura para saber mais. 

Desafios no setor imobiliário

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Na corretagem, a diferença de oportunidades entre homens e mulheres, a dificuldade para conciliar vida pessoal e profissional, e o machismo são vistos como os maiores obstáculos à participação feminina

“O setor ainda tem bases muito masculinas e machistas no sentido de faltar entendimento de por que é importante falar de diversidade e equidade. Março é o mês para ratificarmos a relevância desse tema”, afirma Elisa Rosenthal, presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário e autora do livro “Proprietárias: A ascensão da liderança feminina no setor imobiliário”. 

Faltam mais mulheres em cargos de liderança “para inspirar que outras cheguem a essa posição”, acrescenta Rosenthal, e há a “jornada múltipla de trabalhos feminina”. A presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário defende que existam mais ações das empresas para incentivar o planejamento e crescimento de carreira das profissionais.

Na corretagem, a diferença de oportunidades entre homens e mulheres, a dificuldade para conciliar vida pessoal e profissional, e o machismo são vistos como os maiores obstáculos à participação feminina, segundo pesquisa divulgada pelo ZAP+ em setembro de 2022. O levantamento contou com entrevistas de 266 corretoras que têm acesso às comunicações do ZAP+ e do Instituto Mulheres do Imobiliário.

As dificuldades não param por aí. Na avaliação da vice-presidente de Habitação do Sinduscon-SP, Daniela Ferrari, a principal barreira é que, geralmente, as mulheres têm, além do trabalho, uma “outra agenda”, relacionada à família. Não há falta de competência da mão de obra feminina, ressalta da representante setorial, mas faltam “suporte e incentivos para que as mulheres cultivem outras habilidades”. “Networking se faz fora do horário de trabalho, em almoços e jantares”, diz Ferrari. 

Há um longo caminho a ser percorrido, mas também é possível identificar avanços na participação feminina no setor. 

Construção civil

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A participação das mulheres nos cursos de engenharia tem crescido e chega, atualmente, a 37% no Estado de São Paulo

Majoritariamente, os trabalhadores formais da construção civil são homens. Em 2021, a participação masculina chegou a 89,15% do total, e a feminina, a 10,85%, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Previdência compilados pela Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC).

Embora a diferença continue expressiva, vale observar que a presença feminina vem crescendo. Para efeito de comparação, em 2006, os homens respondiam por 92,48% dos trabalhadores, e as mulheres, por 7,52%. Em 2011, a fatia masculina era equivalente a 91,72% do total, e a feminina, a 8,28%. Os dados incluem pessoal de obra e administrativo.

Segundo o último Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 37,3% dos formandos em cursos de graduação de engenharia, produção e construção são mulheres.

“Quando estudei, havia oito mulheres em uma turma de 60”, conta Ligia Marta Mackey, diretora de entidades de classe do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP) e formada em 1993 na EEP – Escola de Engenharia de Piracicaba. 

No período em que foi vice-presidente do Crea-SP, Mackey acabou assumindo, interinamente, a presidência da entidade por seis meses. Na visão da engenheira, esse tipo de liderança contribui para incentivar que alunas da área sigam em frente em suas carreiras. “Eu também me espelhei em algumas mulheres”, diz. 

Por outro lado, ressalta Mackey, ainda existe resistência na contratação de engenheiras e diferença de salários entre homens e mulheres. “Em média, nas mesmas funções, as mulheres recebem cerca de 70% do salário dos homens. Temos buscado caminhos para a igualdade”, afirma Mackey.

A MRV – maior incorporadora do Brasil – conta com 60% de mulheres em seus escritórios, mas o mesmo não ocorre na gestão da companhia. Nos seis cargos da diretoria executiva, há apenas uma mulher. Das sete cadeiras do conselho de administração, duas têm ocupação feminina atualmente. E os três conselheiros fiscais são homens.

Para Rubens Menin, fundador da MRV, o descompasso nessas proporções reflete o pequeno número de mulheres que se formavam em engenharia, até algumas décadas atrás, e o fato de as profissionais enfrentarem mais barreiras do que os homens no mercado.

A tendência, segundo Menin, é que a participação de mulheres continue a crescer, no setor imobiliário, inclusive em cargos de chefia. “Há um movimento constante, sem volta”, afirma o empresário, graduado em Engenharia Civil na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1978.

Curiosidade: Maura Menin, mãe do fundador da MRV, foi a terceira mulher a se graduar em Engenharia no Estado de Minas Gerais, em 1944. 

Profissionalização do setor

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Com a onda de aberturas de capital, as empresas do setor passaram a crescer mais rapidamente e “precisavam de diversidade”, segundo a vice-presidente de Habitação do Sinduscon-SP

Até meados da primeira década dos anos 2000, a atuação feminina na construção era mais restrita à área de projetos e às atividades de escritório. Com a profissionalização do setor imobiliário resultante da onda de abertura de capital de empresas ocorrida de 2006 a 2008, conta a vice-presidente de Habitação do Sinduscon-SP, as companhias passaram a crescer mais rapidamente e “precisavam de diversidade”, o que abriu oportunidades para aumento da atuação feminina também em obras.

“Várias empresas têm feito ações afirmativas para buscar acelerar a representatividade das mulheres”, diz Ferrari, que também é diretora operacional da Tenda. A incorporadora oferece benefícios como a possibilidade de mães em fase de amamentação trabalharem em “home office” em vez de no modelo híbrido e a licença-paternidade por período maior do que o previsto em lei. 

Renda e flexibilidade

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Muitas mulheres são as principais provedoras da família e precisam se dividir entre gerar renda e cuidar dos filhos

“Com o mundo digital, a mulher tem cada vez mais condições de estar no mercado de trabalho do setor imobiliário. Isso permite ter uma agenda híbrida – estar com os filhos, trabalhar de casa e mostrar os apartamentos do seu condomínio a potenciais clientes”, diz Vânia Gomes, uma das fundadoras da startup UBlink. 

Muitas mulheres são as principais provedoras da família e precisam se dividir entre gerar renda e cuidar dos filhos. A atividade de corretagem costuma ter horários mais flexíveis do que o tradicional expediente de segunda à sexta-feira, das 8h às 18h, até porque quem procura um imóvel para compra ou locação costuma fazer isso quando não está trabalhando. 

Não é de se estranhar, portanto, que a renda e a flexibilidade possibilitadas pela corretagem tenham sido apontadas como as principais razões para a transição de mulheres de outras profissões para a de corretagem na pesquisa do ZAP+. O levantamento indicou que 96% das entrevistadas tiveram, anteriormente, experiências de trabalho em outra área. Apenas 4% começaram a vida profissional como corretoras.

Das participantes da pesquisa, 70% têm curso superior, e as demais 30% concluíram o ensino médio. A média de idade entre as entrevistadas era de 49 anos. A maioria das corretoras se declarou branca e informou ser casada e mãe. A pesquisa indicou também que 66% das participantes possuem imóvel próprio – 45% do total já quitou a unidade, enquanto 21% pagam parcelas de financiamento. Outro dado é que oito em cada dez mulheres que responderam à sondagem são proprietárias de automóveis.

Moradias

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A atenção das profissionais aos detalhes dos imóveis e das necessidades de quem vai comprá-lo ou alugá-lo “faz toda a diferença na negociação”, segundo Vânia Curiati, da UBlink

O segmento de imóveis residenciais é, disparadamente, o que mais conta com participação feminina na corretagem, segundo a pesquisa do ZAP+. Do total de entrevistadas, 97% atuam na negociação de residências, e 55%, nas transações de imóveis comerciais. Nos dois casos, a principal negociação é a de compra e venda.

“Na hora de comprar e alugar o imóvel, quem decide é a mulher, independentemente se ela vai morar sozinha, com um companheiro ou uma companheira. Ela é muito detalhista na escolha do imóvel. A participação feminina no mercado imobiliário é fundamental não só como cliente”, afirma a fundadora da UBlink.

No entendimento da empresária, a atenção das profissionais aos detalhes dos imóveis e das necessidades de quem vai comprá-lo ou alugá-lo “faz toda a diferença na negociação”. 

“Não estou menosprezando os homens que trabalham no mercado imobiliário, mas eles podem ser mais impacientes. O homem já quer virar a página e resolver tudo, o que não é o caso da mulher. A gente acaba entendendo as necessidades de um lar”, diz a fundadora da UBlink.

O perfil multitarefa de muitas mulheres também contribui para que as corretoras tenham mais facilidade para alinhar os olhares profissional e humanizado e entender qual o imóvel mais adequado para cada pessoa. “As corretoras conseguem conciliar organização, dar conta de negociações comerciais duras e oferecer um suporte humanizado. Têm o ouvido mais atento e são mais observadoras”, diz a head de atendimento da UBlink, Luciana Bispo. 

Tendências de compra

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No critério motivo de compra, 61% dos homens buscaram o imóvel para uso próprio, parcela que alcançou 91% no caso das mulheres

Em novembro de 2022, a consultoria Brain Inteligência Estratégica realizou uma pesquisa em parceria com a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) sobre comportamento do consumidor e tendências para 2023. Dos participantes que compraram imóveis nos últimos 12 meses, 89% fizeram aquisições de propriedades residenciais. Considerando só os homens, a parcela foi de 85%, e somente as mulheres, chegou a 94%.

No critério motivo de compra, 61% dos homens buscaram o imóvel para uso próprio, parcela que alcançou 91% no caso das mulheres. Na combinação dos dois segmentos, a compra da propriedade para utilização própria correspondeu a 75% do total. Já a parcela de quem adquiriu um imóvel para investimento foi de 39% dos homens e de 9% das mulheres. Na prática, comprar unidades para investimento ainda é bem mais comum entre homens do que mulheres.

Considerando-se o grupo que pretende comprar uma propriedade, a pesquisa da Brain e da Abrainc apontou que 76% deseja adquirir um imóvel residencial. Dos homens, a fatia de quem quer adquirir uma propriedade residencial foi de 71% e das mulheres, de 78%. Para 33% do total de participantes, sair do aluguel é a principal motivação para querer comprar um imóvel. 

Ainda falta muito para que a parcela de mulheres se aproxime da masculina em muitas funções do setor imobiliário e, principalmente, em cargos de chefia, assim como na compra e venda de imóveis do segmento comercial ou negociação para investimento. Mas não se pode ignorar os avanços em relação às últimas décadas, mesmo que não ocorram no ritmo necessário.

Para mais informações sobre o mercado imobiliário, navegue pelo Blog da UBlink

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