Demanda por moradias segue elevada, apesar de cenário mais desafiador
Conforme os rumos da inflação e dos juros, o ambiente se torna mais favorável à compra ou ao aluguel de imóveis residenciais, mas morar é uma necessidade
Por Redação Em:
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Por Chiara Quintão
Para quem está em um momento de casamento, divórcio, mudança de endereço para para cuidar de familiares idosos ou por conta de uma oportunidade de carreira, as taxas de juros importam menos do que a situação atual das pessoas e a possibilidade de cada uma arcar com um imóvel que atenda às suas necessidades, afirmou o presidente da rede de franquias imobiliárias Remax, Nick Bailey, em entrevista recente à revista Forbes. A avaliação do perfil do consumidor americano por Bailey pode ser transposta para o Brasil, no entendimento de Rogério Santos, um dos fundadores da UBlink.
“Conforme os rumos da inflação e dos juros, o ambiente se torna mais favorável à compra ou ao aluguel de imóveis residenciais. Mas independentemente do ambiente econômico e político, morar é uma necessidade frente aos nascimentos, casamentos e separações, além de outras mudanças sociais e culturais”, afirma o fundador da UBlink.
Em 2010, a cidade de São Paulo tinha 11,253 milhões de pessoas, segundo o último censo concluído pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Onze anos depois, a população estimada da capital paulista aumentou 10%, para 12,396 milhões de pessoas. “A demanda por moradias segue elevada, em 2023, no maior mercado imobiliário do país e em todo o Brasil”, acrescenta Santos.
As entidades que reúnem empresas do setor imobiliário ainda não divulgaram os números de lançamentos e vendas do ano passado, mas o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França, adianta que houve expansão do volume comercializado, puxada pelas vendas de unidades dos padrões médio e alto.
As incorporadoras de capital aberto que já divulgaram suas prévias operacionais – Cury, Cyrela, Direcional, Even, EZTec, Helbor, JHSF, Lavvi, Melnick Even, Mitre, Moura Dubeux, MRV&Co, Plano&Plano, RNI, Tegra, Tenda e Trisul – lançaram, em conjunto, o Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 37,93 bilhões, em 2022, o que representa queda de 4,5% na comparação com o ano anterior. No quarto trimestre, a retração foi mais acentuada, chegando a 11,4%, para R$ 12,28 bilhões.
Apesar da diminuição de lançamentos, as vendas líquidas cresceram 4,8%, no ano, para R$ 34,19 bilhões e aumentaram 2%, no trimestre, para R$ 9,06 bilhões.
No discurso das incorporadoras com atuação nos padrões médio e alto, o tom continua a ser de cautela, mas várias empresas decidiram, mesmo assim, dar início aos lançamentos de 2023, mesmo que de forma seletiva. “Para imóveis bem localizados, sempre haverá demanda”, diz França.
Déficit habitacional
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Espera-se crescimento do segmento de baixa renda, impulsionado pelo esperado “reforço” do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, segundo o presidente da Abrainc, Luiz Antonio França. Em 2019 (dado mais recente disponível), 93% do déficit habitacional brasileiro se concentrava nas faixas de renda de até cinco salários mínimos.
Naquele ano, o país tinha escassez de 7,797 milhões de moradias – 3,3 milhões referentes ao ônus excessivo com aluguel –, conforme levantamento da consultoria Ecconit realizado a pedido da Abrainc. Na capital paulista, faltavam 625,65 mil unidades para atender às necessidades de moradia de toda a população.
A Ecconit projetou demanda de 11,87 milhões de imóveis entre 2020 e 2030. “A habitação social é uma questão premente. Sem taxas de juros menores e sem subsídios, não há como uma parcela da população ter acesso à moradia”, diz Ana Maria Castelo, sócia da consultoria.
Mudanças sociais e culturais
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Um dos fatores que sustentam a procura por imóveis são as uniões civis, afinal, quem casa quer casa. No ano passado, houve 196.853 casamentos, no Estado de São Paulo, e 46.606, na capital paulista, de acordo com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). E os arranjos familiares têm se diversificado, assim como outras formas de compartilhar a moradia.
Há também mais gente vivendo sozinha. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) divulgada pelo IBGE em meados do ano passado, o número de domicílios com um único morador aumentou 43,7%, para 10,8 milhões entre 2012 e 2021.
À medida que ocorrem as mudanças sociais e culturais, o mercado imobiliário se adapta às novas necessidades. Exemplo disso foi o grande volume de studios e imóveis compactos lançado desde 2019, na capital paulista. Além da redução do número de pessoas por família, a produção de studios foi estimulada pelas regras do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento de São Paulo e pela alta, nos últimos anos, dos preços por metro quadrado dos imóveis.
Retorno a São Paulo
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Outro fator que vem estimulando a demanda por moradias na capital paulista é o retorno de parte de quem se mudou, durante o período do isolamento social resultante da pandemia de covid-19, para o interior ou o litoral. A ocupação dos empreendimentos de escritórios comerciais tem crescido, com reflexos no mercado residencial.
Dos 500 principais edifícios corporativos de São Paulo, 72% estavam com fluxo acima de 50% em dezembro, ante 69% em junho, segundo levantamento da consultoria CBRE. Em outubro, a fatia tinha chegado a 77%. A queda do último mês do ano em relação a outubro deve-se ao período de festas, segundo o diretor de locação e pesquisa da consultoria, Felipe Robert Giuliano.
Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) compilados pela CBRE indicam que a média de quilômetros de lentidão, em novembro, correspondia a 91% do patamar pré-pandemia na cidade. Em novembro de 2020, a média era de 69% e, no mesmo mês de 2021, de 59%.
Já o fluxo de passageiros no metrô de São Paulo em relação a imediatamente antes do surto de covid-19 ficou em 48%, em novembro de 2020, em 61%, no penúltimo mês de 2021, e em 74% em novembro do ano passado.
Perspectivas
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Mesmo com todos os fundamentos que justificam a demanda por imóveis, o mercado de compra e venda de unidades residenciais dos padrões médio e alto segue desafiador, neste início de ano, em um ambiente com a Selic em dois dígitos e com preocupações relacionadas ao equilíbrio fiscal e aos rumos da inflação do país.
“O custo de construção ainda está alto. Não existem sinais de arrefecimento da inflação, então a Selic não cairá tão cedo. A demanda por compra não tende a ser vigorosa”, diz o coordenador do curso de Mercado Imobiliário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Alberto Ajzental.
Para o sócio da consultoria Brain Inteligência Estratégica, Fábio Tadeu Araújo, em São Paulo, deve haver queda da procura de imóveis para aquisição, principalmente, nas unidades com valor de venda de R$ 500 mil a R$ 1,2 milhão.
Não está claro, porém, diz Araújo, quanto desse movimento resultará de questões ligadas à macroeconomia e quanto será decorrente da comparação com a “super demanda” registrada nos últimos anos.
“Se o novo governo nos surpreender positivamente, um círculo virtuoso poderá ser criado, o que tende a melhorar as expectativas. Os ânimos são mais importantes do que a taxa de juros”, afirma o sócio da Brain, acrescentando que espera crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro acima da projeção de 0,77% do Boletim Focus.
Em 2023, um volume expressivo de projetos lançados será entregue, principalmente na cidade de São Paulo. “Haverá aumento de estoques, com destaque para os compactos, cuja produção foi favorecida pelo Plano Diretor. Com o aumento da oferta, a absorção não será tão rápida”, afirma Ajzental.
Oportunidades de compra
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Quem procura um apartamento pode encontrar boas oportunidades em decorrência das ações de incorporadoras para acelerar vendas de estoques prontos.
A incorporadora Helbor, por exemplo, tem mais de dez projetos com entrega prevista para 2023, a maioria de alto padrão na capital paulista. A companhia fundada por Henrique Borenstein dará prioridade às vendas de estoque dos edifícios em fase de conclusão em relação ao lançamento de produtos. As iniciativas incluirão repasse dos recebíveis dos clientes para o Bradesco com juros menores e aumento da fatia financiada, segundo o diretor de vendas da Helbor, Marcelo Bonanata.
“Os clientes percebem que o estoque tem valor mais vantajoso do que os lançamentos”, afirma o CEO da Mitre, Fabrício Mitre. Não se espera aumento relevante nos preços de imóveis, neste ano, mas as unidades a serem apresentadas e em construção serão reajustadas pela inflação. Em 2022, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M) – usado para reajustar as parcelas pagas pelos compradores até as chaves – subiu 9,4%.
Como existe o risco de a Selic ainda ter alguma elevação antes de voltar a cair, a compra de um imóvel pronto novo ou usado, neste momento, pode assegurar uma taxa melhor do que a dos próximos meses, caso seja necessário um novo aumento para controlar a inflação. Os juros do crédito imobiliário não são indexados pela Selic, mas a taxa básica funciona como um parâmetro para a cobrança do custo de financiamento pelos bancos.