Incorporadoras vão calibrar lançamentos para barrar aumentos de estoques

A dificuldade de continuar a repassar altas de custos para os preços levará empresas a desacelerar a apresentação de projetos e já se reflete em campanhas de vendas de unidades prontas.

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Por Chiara Quintão

O limite do bolso dos clientes para absorver o repasse das altas de custos de materiais e de despesas com mão-de-obra para os preços dos imóveis tende a se refletir, ao longo do ano, em dois movimentos por parte das incorporadoras: redução de lançamentos e adoção de estratégias para diminuir os estoques de unidades, como a concessão de descontos. Repassar as altas para o valor dos imóveis é visto como inevitável, mas há limitações na capacidade dos consumidores de absorver aumentos.

 “A inflação persistente por dois anos, praticamente, dobrou o custo de produção dos edifícios. Há uma chance de que o setor lance, em 2022, metade do que apresentou no ano passado. O repasse do custo para o preço tem um teto”, diz um executivo que pediu para não ser identificado. Às pressões de custos de materiais, se soma o dissídio de 12,5% para trabalhadores da construção, no Estado de São Paulo, aprovado em maio.

As incorporadoras ouvidas pela UBlink informaram que estão mantendo os planos, mas deixaram claro que, conforme o desempenho das vendas e do mercado, poderão postergar projetos. Embora seja comum as empresas dizerem ter capacidade para lançar o mesmo Valor Geral de Vendas (VGV) de 2021, as metas formais, conhecidas como “guidances” deixaram de existir. 

A tendência é que haja redução nos lançamentos, na avaliação de Bruno Mendonça, analista de mercado imobiliário do Bradesco BBI. “As altas do INCC [Índice Nacional de Custo da Construção] forçam o preço do imóvel a subir, mas os valores têm aumentado mais rapidamente do que a demanda”, diz Mendonça. Caso haja uma lacuna de demanda, será necessário que as incorporadoras desacelerem a apresentação de projetos para evitar crescimento do estoque.

De olho na economia e no mercado

A Gafisa tem projetos preparados para cumprir o VGV de lançamentos que pretende realizar, neste ano, mas a execução completa do planejado dependerá do cenário do segundo semestre. Há previsão de dois empreendimentos, de R$ 300 milhões, cada, sendo um de altíssimo padrão, na Chácara Klabin, e outro de alto padrão, nas proximidades do Jockey Club, em São Paulo.

A Even mantém sua meta interna de VGV, mas avalia o melhor momento para apresentar cada projeto. “Não vamos lançar empreendimentos para gerar estoques. Se for necessário, seguramos os projetos”, conta o diretor de relações com investidores, Tiago Krall. Os planos da companhia preveem que todos os lançamentos deste ano ocorram até o terceiro trimestre. No último trimestre, haverá eleições majoritárias e Copa do Mundo.

Marcelo Guedes, vice-presidente de operações da Melnick, controlada pela Even, conta que os produtos apresentados, em 2022, tem sido “muito bem aceitos pelo mercado”, mas que os lançamentos, ao longo do ano, serão confirmados pelas condições macroeconômicas. “Estamos mais criteriosos em relação aos lançamentos. A decisão sobre cada projeto vai depender do mercado no momento”, diz Marcelo Bonanata, diretor de vendas da Helbor.  

Estratégias para acelerar a venda de imóveis

Recentemente, a Helbor realizou campanhas de vendas em São Paulo e em Mogi das Cruzes (SP). As iniciativas possibilitaram, em conjunto, a redução de 5% a 6% dos estoques totais. Não houve oferta de descontos pela incorporadora, segundo Bonanata, mas de melhores condições de financiamento aos clientes pelo Bradesco. Para os compradores das unidades comercializadas na campanha, a Helbor vai pagar, por seis meses, as despesas de condomínio da unidade comprada pronta ou em construção. 

Apesar dos custos de obras mais elevados, já há quem esteja vendendo imóveis com descontos. A Tecnisa, por exemplo, tem praticado abatimentos de um dígito em relação aos da tabela vigente no ano passado, segundo o vice-presidente do conselho de administração, Joseph Nigri. “Para sair negócio, temos de abrir mão de margens”, conta Nigri. 

A companhia, que ainda não iniciou sua apresentação de projetos em 2022,  planeja lançar um projeto nos Jardins e um empreendimento na Chácara Flora. A Tecnisa pretende também retomar lançamentos no Jardim das Perdizes, mas ainda aguarda decisão judicial referente aos títulos de aumento do potencial construtivo (Cepacs) da Operação Urbana Consorciada Água Branca.  

A Gafisa tem concedido descontos para dar mais liquidez às vendas de estoques das safras antigas, mas não de unidades lançadas pela atual gestão. Nos empreendimentos em obras e nos lançamentos, as iniciativas para acelerar vendas têm foco em ações de marketing direcionado para cada projeto e não incluem abatimentos de preços, segundo o CEO da Gafisa Incorporadora e Construtora São Paulo, Guilherme Benevides. 

Com foco em produtos dos padrões alto e altíssimo, a Gafisa estimou as elevações de custos de produção de materiais para traçar a viabilidade dos projetos apresentados desde o ano passado. Entre 2018 e 2020, a companhia suspendeu lançamentos e antecipou a compra de matérias-primas para acelerar a retomada e a conclusão de obras das safras do legado. A combinação dessas duas estratégias possibilitou o repasse das altas de custos para os preços dos imóveis. “Reorçamos as obras todos os meses”, diz Benevides.

Estoques prontos em relação ao total

No caso da Even, a concessão de descontos de unidades em estoque é pontual, segundo Krall. As ações para venda de estoques estão relacionadas a iniciativas como eventos para potenciais clientes na área gourmet de empreendimentos e montagem de decorados, nas torres, para comercialização. No fim do primeiro trimestre, as unidades prontas correspondiam a 12% do estoque total de R$ 2,8 bilhões. Um ano antes, o volume de imóveis concluídos respondia por 46% do total. 

Na Melnick, a fatia de estoques prontos em relação ao total é de 26%. “Não há concentração em nenhum empreendimento”, diz Guedes. Uma das iniciativas para reduzir o número dessas unidades é a possibilidade de locação de imóveis residenciais e comerciais com possibilidade de os recursos pagos serem revertidos, depois do vencimento da opção de compra, para pagamento de parte do valor de aquisição. A maior parte das unidades que fazem parte dessa iniciativa “acaba virando venda”, segundo o vice-presidente de operações da Melnick. 

Com exceção de imóveis enquadrados no programa habitacional Casa Verde e Amarela, compradores pagam à incorporadora parcelas ajustadas pelo INCC no pré-chaves. Na prática, cada vez que o INCC sobe, o saldo devedor do cliente fica maior, e aumenta o risco de cancelamento do negócio – operação conhecida como distrato. “Se a Lei do Distrato for implantada, de fato, incorporadoras poderão optar por baixar preços para evitar carregar estoques”, diz Mendonça, do Bradesco BBI.

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